“A chispa do gênio da criança, o hábito de indagar como e por que, é substituído pela fé embrutecida que amiúde se chama senso prático ou comum” (Lyndon LaRouche, Prólogo de “How Bertrand Russell Became na Evil Man” (1944), na tradução de Gildo Magalhães e Yara Nogueira Müller para o Movimento de Solidariedade Ibero-Americano, RJ, 1999).
Coube a Roberto Lopez, professor da
Universidade de Yale, discorrer sobre o “Nascimento da Europa”, na
coleção “Rumos do Mundo”, dirigida por Lucien Fabvre e Fernand Braudel (em
português pelas Edições Cosmos, Lisboa, 1965, traduzido por Oliveira Marques,
da versão em francês de 1962).
A Europa, filha de Roma, como se
lê, de autor anônimo do século IV, em Roberto Lopez, “contém a fúria das nações
que uivam à sua volta e que a pérfida barbárie, protegida pela natureza dos
lugares, cobiça de todos os lados de suas fronteiras”.
É esse o espírito que se formou
naquele minúsculo continente e que se lhe atribuiu o dever civilizatório, de
construir o mundo a sua maneira.
Para tanto desenvolveu dois planos
de poder: o material, convertido em valor monetário, e o imaterial, pela
criação de um ser supremo, dono da vida e da morte, com representantes ou
intérpretes no Planeta.
Neste artigo iremos desvendar as
relações que se desenvolvem no mundo político, que abarcam amplamente a
cultura, e que colocam, sob moeda e vida, os povos neste século XXI.
A RELIGIÃO E A BANCA
Em 1572, o censor do Santo Ofício,
Frei Bartolomeu Ferreira, aprovou os dez cantos de “Os Lusíadas”, de Luiz de
Camões, que narra, entre perigos e guerras, o novo reino que os portugueses
edificaram, “dilatando a Fé, o Império e as Terras”, devastando a África e a
Ásia.
Seria este reino fruto da
civilização romana? Mas qual Roma? Da República? Do Império? Do extremo oriental,
onde os judeus, orgulhosos de seu passado, se apartavam dos outros povos para
não se despersonalizarem pela cultura estrangeira, ou seja, aquela forte e
dominante dos romanos? Ou dos bretões, no extremo ocidente, que pelo pouco
tempo da ocupação não absorveram a língua e os costumes romanos?
Não, caros leitores. A religião foi
o fator de maior unidade na Europa, dominou as terras e os senhores, foi a
força que ajudou e impeliu, para o mundo, além das fronteiras, a moeda e a
própria religião. O comércio e a fé viajaram juntos. Conseguiram mais do que
Roma: impuseram os idiomas europeus para as comunicações dos povos em todos
continentes: no maior de todos, a América, no menor, a Oceania, quase
integralmente na África e como segundo idioma em alguns países asiáticos.
Porém, fora deste domínio da
religião e da banca estaria a barbárie? De modo algum. Ontem, e ainda hoje,
quem não segue “as leis de Deus e do dinheiro” são hereges, infiéis, inimigos,
pessoas e povos a combater e eliminar.
A antiquíssima, numerosa, pacífica
e progressista etnia asiática han desenvolvia, entre os muros
que construiu, civilização em quase tudo diferente da europeia, a chinesa.
Os han representam
quase um quinto da humanidade, estão concentrados na República Popular da China
(RPCh), onde constituem 92% da população, e outros países asiáticos (Tailândia,
Malásia, Singapura, Myanmar), mas são encontrados em todo mundo, inclusive no
Brasil, onde são cerca de 270 mil. E possuem outra característica muito
significativa; majoritariamente, quase 80%, não professam qualquer religião,
tem sua orientação existencial nas palavras de pensadores, humanos como nós,
Confúcio e Lao Tze, e não de deuses em diálogos especialíssimos com seus
escolhidos.
Do ponto de vista da geografia
física, a China é o país que faz fronteira com maior número de outros Estados
Nacionais: quatorze (Vietnã, Laos, Myanmar, Índia, Butão, Nepal, Paquistão,
Afeganistão, Tajiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Rússia, Mongólia e Coreia
do Norte).
Do ponto de vista do desenvolvimento
cultural e tecnológico, as quatro grandes invenções, que revolucionaram o
Mundo, nasceram na China: a fabricação do papel, a indústria gráfica, a bússola
e a pólvora.
Atualmente, a China volta ao
protagonismo nas áreas científicas e tecnológicas mais contemporâneas, das
ciências da computação e internet, com estações de base 4G, correspondendo à
metade mundial, e com as 5G previstas para até 2025. Seu plano setorial prevê,
para 2030, as redes 6G, que são 50 vezes mais rápidas do que as 5G.
Na área da física quântica, a
revista Nature (2019) cita Jian Wei Pan, a quem denomina “pai do quantum”: “No
campo das comunicações quânticas, estamos à frente de nossos colegas no mundo”.
A China também se tornou líder global em automação. No campo da nanotecnologia
é o segundo país em número de patentes concedidas. O programa espacial chinês é
dos mais ativos no mundo e a despesa com tecnologias, inclusive biológicas,
prevê que, em 2050, atinjam o mais alto nível internacional.
Além de ser um país onde a maioria
absoluta da população não professa qualquer religião, o Estado assume o
controle das ações em todos os setores e planeja detalhadamente cada área de
atuação, da saúde e da educação até a conquista do espaço cósmico e as mais
avançadas tecnologias, para aplicação em primeiro lugar no próprio País.
ESTADO NACIONAL OU MERCADO
INTERNACIONAL
Até a década de 1980, ninguém
assumiria a proposição de uma terra sem Estado. Seria vista como um sonho
alucinógeno, ideação onírica.
Mas o sistema financeiro trabalhava
há quase meio século em conquistar as mentes e os governos para a ausência do
Estado: era ineficiente, elefante em loja de louça, caro para manter, abrigo de
vagabundo, esquecendo que era o próprio Estado que lhes garantia estas
agressões com seus sistemas de proteção – defesa nacional, justiça e ordem
pública – e possibilidade de expressão – ensino, saúde, residência, mobilidade
etc.
O que propunham no lugar dos
Estados Nacionais? Um mundo unipolar, sem fronteiras, onde o capital apátrida
fosse o senhor, negociando tudo, até a religião (ou já estaria adquirida, no
avanço neopentecostal?).
Estava sendo construído um novo
padrão civilizatório, mais perto do homem primitivo do que aquele construído ao
longo dos séculos de avanço nos relacionamentos das pessoas, fazendo cair
preconceitos e conquistando direitos. O único direito reconhecido era o da
compra e venda, de tudo, do caráter ao celular.
Este sistema também desprezava o
trabalho, não era o fator igualitário da realização humana, mas algo que não
merecia qualquer proteção. O único bem protegido era o dinheiro, na forma das
moedas e patrimônios reais, ou na forma de bens virtuais ou sem lastro físico.
E assim, se destruíam os Estados e
um imaterial mercado passava a dar as ordens, ser o verdadeiro senhor.
E as comunicações inundavam de
mensagens, fantasiosas ou simplesmente mentirosas, para explicar fatos
inexplicáveis, justificar procedimentos injustificáveis, provocar um caos nas
relações sociais facilmente identificáveis nas violências que tomaram conta do
mundo. De 1900 a 1990 ocorreram no Brasil e no mundo 43 conflitos classificados
como guerra pela Wikipédia. A partir de 1990 até 2022, a mesma fonte computou
40.
Como é óbvio, há conflitos que
interessam a uma das partes manter e ele se prolonga por décadas.
Porém o que nos interessa neste
artigo é ver a mudança civilizatória que a mudança do poder, dos Estados para a
Banca, provocou. E, especialmente, no Brasil.
A entrada da China como potência
mundial no século XXI abriu um espaço alternativo no fechado mundo unipolar da
banca. Como se conhece da história, o povo han jamais foi
belicoso. Os períodos de expansão territorial chinesa se deram sob governantes
mongóis, sob os han, a expansão foi comercial como a primeira rota
da seda.
Agora o governo chinês retoma este
projeto do mundo multipolar sob a nova rota da seda, ou a Iniciativa do
Cinturão e Rota (em inglês Belt and Road Initiative - BRI), compartilhado por
145 países, sendo 44 da África, 42 da Ásia, 29 da Europa, 20 da América Latina
e Caribe e 10 da Oceania.
A característica desta iniciativa é
dotar de conexões físicas e virtuais os países participantes de modo que haja
cooperação e comércio entre eles. O resultado já é visto em portos, ferrovias,
aeroportos, rodovias e linhas de comunicação estreitando as distâncias e
provendo desenvolvimento.
O mundo unipolar do mercado das
finanças apátridas está apavorado e passa a agressão que a história também
mostra ser sua resposta: nós e eles, quem não está conosco está contra nós. E
comprou pelos seus meios habituais - suborno, corrupção, chantagem - o antigo
poder plutocrático estadunidense, transformando os Estados Unidos da América (EUA)
no menino de recados ou gendarme da banca no Planeta.
O Brasil tem uma tradição de
covardia. É nossa infeliz realidade histórica. Recebeu a mais retrógada herança
europeia, a portuguesa, combatendo a Reforma Protestante e o povo judeu, num
estado neoliberal avant la lettre: das capitanias hereditárias.
Quando se estabeleceu como Estado
Colonial, apenas cuidou da segurança externa, da repressão interna e das
finanças, deixando tudo mais com o mercado, na época a religião católica e os
padres jesuítas. Este modelo, com os desmembramentos que o crescimento foi
exigindo, se manteve por 381 anos, até a Revolução de novembro de 1930, quando
o Brasil passa a ter um Estado Nacional próprio, brasileiro.
Este Estado ao se implantar começa
a criar áreas de atrito interno, com os detentores das feitorias definidas no
exterior, ou com os próprios interesses estrangeiros aqui estabelecidos. Esta
luta de farsas e corrupção levam o Presidente Getúlio Vargas ao suicídio. E,
assim, com a revolta popular que se seguiu, pode se manter a Era Vargas por 50
anos.
Os anos 1980, como escrevemos, é o
das desregulações financeiras e da criação do mercado no lugar dos Estados.
Também encerra a Era Vargas, com o Brasil crescendo a taxas maiores do que o
resto do mundo. A partir de então começa a queda do Estado e da civilização que
se construía no Brasil; a nova Roma, dizia Darcy Ribeiro, no sentido de nação
miscigenada, mas diferente por ser pacífica e acolhedora.
Hoje não somos mais acolhedores,
perdemos indústrias, perdemos poder tecnológico, perdemos até territórios para
as finanças apátridas. E, em consequência, nos tornamos menos cultos e mais
violentos.
Este é o quadro do poder, quando
ele não representa o povo nacional, mas a banca internacional. Quando segue o
mercado apátrida e não o interesse expresso na construção do Estado Nacional.
Pedro Augusto Pinho, administrador
aposentado, foi professor universitário, membro do Corpo Permanente da Escola
Superior de Guerra e está Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás
– AEPET