“O que é roubar um banco comparado a fundar um banco?” (Bertolt Brecht, “A ópera dos três vinténs”, 1928, e Ricardo Piglia, “Plata quemada”, 1997).
Há mais de um século os militares
brasileiros tramam e aplicam golpes no Estado Nacional. Nem sempre no mesmo
sentido, mas com um mote que se repete frequentemente: o combate à corrupção e
ao comunismo. Será mesmo?
“Quem analisa o Brasil, mesmo sem
maiores pretensões sociológicas, mas encarando-o e equacionando-lhe os
principais problemas de maneira objetiva, chega fatalmente a esta conclusão
inquietante: estamos vivendo a fase crucial de nossa história” escreveu, em
1954, o general Anapio Gomes (“Radiografia do Brasil”, com segunda
edição pelos Irmãos Pongetti, logo após a morte do estadista Getúlio
Vargas, em 1955).
O então Ministério da Guerra estava
entregue, nesta “fase crucial”, desde janeiro de 1951 até novembro de 1955, aos
seguintes generais: Newton Estillac Leal, Ciro do Espírito Santo Cardoso,
Euclides Zenóbio da Costa e Henrique Teixeira Lott, este após 25 de agosto de
1954.
Na Marinha e na Aeronáutica aos
Almirantes Renato de Almeida Guillobel e Edmundo Amorim do Valle e aos
Brigadeiros Nero Moura, Epaminondas Gomes dos Santos e Eduardo Gomes, estes
últimos, na Marinha e na Aeronáutica, após 25 de agosto de 1954,
respectivamente.
Se tomarmos a sentença do historiador
britânico, John Keegan (“The Face of Battle”, 1976), “não é pelo que os
exércitos são, mas pelo que os exércitos fazem que as vidas das nações e dos
indivíduos se modificam”, a “fase crucial” de nosso País é de toda a história,
especialmente em nossos dias.
Nas onze conferências que o capitão
Genserico de Vasconcelos proferiu na Escola de Estado Maior e Aperfeiçoamento
de Oficiais (“História Militar do Brasil”, 1921) desenvolvendo a
influência do fator militar na “organização da nacionalidade” expõe, na
síntese, que “a obra da República reatou a nossa continuidade histórica,
emendando 1889 com o Império, que se não havia desligado de Portugal e
das bandeiras, terminou com o traçado dos lindes da nossa casa,
vastíssima morada de quase nove milhões de quilômetros quadrados. O Brasil
integrou-se na América pela porta da República”. E conclui: “A Missão do
Exército e da Marinha resume-se, pois, em manter a inviolabilidade e a
segurança de nossas definitivas fronteiras, e argamassar a nacionalidade dentro
de sua tradição e da sua continuidade histórica”. Belas palavras!
E logo se seguiu, em 1922, há 100 anos,
o Movimento Tenentista e as diversas manifestações militares pela década de
1920.
No número de março-abril de 1979 de “A
Defesa Nacional” (Ano LXVI, nº 682), o general de divisão Carlos de Meira
Mattos (“A Continentalidade do Brasil”) discorreu sobre nossa realidade
geográfica – maritimidade e continentalidade – afirmando que “as sucessivas
elites brasileiras, desde José Bonifácio, não tomaram consciência” desta
“aptidão geopolítica”, daí os recuos e “cautelas” que marcam nossa história.
Talvez Meira Mattos, golpista de 1932
(voluntário), de 1954 e de 1964, não tivesse o explícito propósito do purismo,
da unicidade, mas caiu na esparrela, na armadilha do excludente, ao trocar
nosso contorno marítimo pelo terrestre (elogios a Juscelino Kubitschek e Emílio
Médici).
Impossível não nos lembrarmos do poema
de Cecília Meireles “Ou isso ou aquilo”: “não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo” (Cecília Meireles, Poesia Completa,
Global Editora, 2017).
Somos vítimas, em todos os lugares, em
todos os tempos, da pedagogia colonial, que se alimenta das segregações, pois é
indispensável para que o poder, qualquer poder que não seja efetivamente
popular, democrático, participativo, se mantenha sem a compreensão de
antagonismos: ou isso ou aquilo.
Há cerca de vinte anos, analisando o
poder onipresente do sistema financeiro internacional, escrevemos sobre a
participação crescente da economia marginal no poder das finanças.
Esta denominação de economia marginal
une todos os ganhos ilícitos, assim definidos em tratados, convênios, acordos
internacionais e nas legislações nacionais, tais como a tráfico de drogas, a
comercialização de pessoas e órgãos humanos, contrabandos de armas e outros
produtos.
Há razão simples para compreender esta
prevalência. Enquanto os capitais tradicionais estão aplicados, em imensa
maioria em bens fundiários, os capitais marginais estão em moedas correntes,
são “cash”, a vista, comprando, corrompendo, subornando imediatamente.
A crise de 2008/2010, em parte, foi
fruto da disputa pelo poder, ou seja, pelo controle dos 85 paraísos fiscais
existentes no mundo. E, assim, da circulação do dinheiro. Fundamental para o
poder que se funda nas finanças.
Porém é muito difícil para as pessoas,
mesmo as mais críticas do neoliberalismo, entenderem que não é um projeto
ideológico, nem nazista, nem fascista, nem petista, nem falsamente democrático,
que está em questão. É o domínio da marginalidade, das milícias, das mais
nefastas pedagogia colonial que aceita e até justifica a venda de crianças para
os traficantes de sexo.
O exemplo mais recente vem do “Projeto
de Nação – O Brasil em 2035”, lançado em 19 de maio último, que foi entendida
como a mais recente e antecipada contestação à vontade das urnas, que deverá
surgir em outubro próximo.
O “Projeto”, documento de 93
páginas, coordenado pelo general de divisão da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva,
contem 37 temas, considerados estratégicos: geopolítica, governança, segurança,
desenvolvimento, ciência, tecnologia, saúde, educação, defesa nacional entre
outros, que muitas vezes se contradizem nas conclusões.
Longe de nossa intenção imputar ao general
Luiz Rocha Paiva, ou a seu irmão, coronel Paulo Ricardo da Rocha Paiva, de quem
lemos com prazer as análises nas edições da “Defesanet”, bem conduzidas por
Nelson Duhring, qualquer associação ao crime.
Todos, e não nos excluímos desse
“todos”, somos vítimas da pedagogia colonial, com intensidades e focos
variados. E, assim, é-nos difícil entender e avaliar, também pelo sigilo de que
se cerca, a participação da marginalidade criminosa nas decisões do atual
governo brasileiro.
A economista e escritora Loretta
Napoleoni escreveu “Rogue Economics” (Seven Stories Press, NY, 2008) que
na tradução de Pedro Jorgensen Jr. para Difel (RJ, 2010) tomou o título “Economia
Bandida”. Narra principalmente os eventos da última década do século XX,
após a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e a
ascensão das economias marginais e da islâmica, sem que mostre
incompatibilidades entre elas.
Também não aprofunda a ação de Vladimir
Putin, para libertar a Federação Russa das máfias locais, “é preciso separar o
dinheiro do poder” (entrevistas a Oliver Stone, produzidas em 2017 e
transmitidas no Brasil pela TVT em 2020).
Escreve Loretta Napoleoni: “os
principais beneficiários das transações não são aqueles que criam os novos
produtos nem aqueles que os consomem, mas aqueles que os comercializam”, boa
conclusão para os caminhoneiros que pedem a privatização da Petrobrás,
afastada, pelos golpistas de 2016, da comercialização dos derivados de
petróleo.
Mais não se atribua unicamente à
economia subterrânea, a estas finanças apátridas e marginais, a
responsabilidade pela situação vivida hoje no Brasil. Citando o grande
brasileiro e político Leonel Brizola, “há um mar de cumplicidades”.
Em entrevista concedida em setembro de
2006, Grant Woods, diretor do Banco Coutts, onde a rainha do Reino Unido e a
aristocracia britânica têm conta, esclareceu que o sistema fiscal dos
residentes em Londres beneficia tributariamente todos estrangeiros que lá
tenham endereço. “Eles deixam de pagar bilhões de dólares em imposto nos seus
países de origem, desde que deixem depositadas grandes somas em bancos como o
Coutts”. E confessa que “eu mesmo estruturei carteiras de vários oligarcas
russos”, formados na década que sucedeu ao fim da URSS.
À missão das Forças Armadas, nas
emocionantes palavras do capitão Genserico de Vasconcelos, o coronel Nelson
Werneck Sodré acrescenta “assegurar o exercício da autoridade central em toda
extensão da base física brasileira” (“História Militar do Brasil”,
1965). Ou seja, confirmando a tese do gaúcho Luiz Roberto Pecoits Targa (“Gaúchos
e Paulistas na Construção do Brasil Moderno”, 2020), apagando as histórias
regionais em prol da redutora e homogeneizadora disputa centro-periferia.
Desconhecer o Brasil, analisá-lo sob
pressupostos discutíveis, quando não absolutamente falsos, vítimas de
preconceitos ideológicos – quem já comprovou que a competitividade é mais
eficaz do que a solidariedade para o resultado das instituições? – é tão danoso
quanto aceitar a interferência divina para solução de nossos terrestres
problemas.
A este propósito, o professor e
economista Ricardo Bergamini, assumido liberal econômico, na coluna divulgada
no sábado, 28/05/2022, enviada por e-mail, relaciona os cinco “pastores
evangélicos” mais ricos do Brasil com fortunas de milhões de dólares
estadunidenses, e não por mero acaso, todos neopentecostais, as “igrejas da
caixinha”: Edir Macedo, bilionário dono da Igreja Universal do Reino de Deus,
Valdemiro Santiago, dos feijões milagrosos, da Igreja Mundial do Poder de Deus,
Silas Malafaia, ativista político, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo,
R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, e o casal Estevam e
Sônia Hernandes, da Igreja Renascer.
As Forças Armadas, onde a liderança
sempre esteve com o Exército, ocupam o Governo Brasileiro, pelos discutíveis
votos computados pelas urnas eletrônicas, cujo controle brasileiro é ainda mais
duvidoso.
E ainda pretendem aplicar novo golpe
para durar mais 15 anos, lembrando os 1000 anos do projeto hitlerista.
Revendo dois golpes no século XX, que
as Forças Armadas assumiram, nem sempre com benefício próprio, mas em prejuízo
do desenvolvimento da sociedade brasileira, vemos duas falácias. O “mar de
lama”, corrupção que jamais ocorreu no Governo Vargas, e foi reconhecido, anos
depois, pelo seu veemente opositor, Afonso Arinos de Mello Franco em artigo no
“Jornal do Brasil”. E o “comunismo” de João Goulart, verdadeira piada de mau
gosto, que só enganou quem dela se aproveitou (de início capitais estrangeiros)
ou foi muito ingênuo, tendo na visão setorial o desconhecimento do todo que a
cercava.
Mais uma vez, objetivos não nacionais
conduzem nossa história. Se tivemos antes identidades nacionais: portuguesas,
holandesas, francesas, inglesas e estadunidenses se locupletando de nossas
riquezas naturais e do trabalho de nosso povo miscigenado, hoje é um sistema
apátrida, conduzido pelas finanças, com forte participação de capitais
ilícitos, quem nos dirige.
Desconhecer esta triste realidade é
naufragar com nosso País em águas imundas, fétidas, com vírus produzidos em
laboratórios para a guerra bacteriológica, a nova dominação no século XXI.
Rio de Janeiro, 29 de maio de 2022.
*Pedro Augusto Pinho, administrador
aposentado.
TRANSCRITO
DO PORTAL PÁTRIA LATINA
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