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Entrevista com S.V. Lavrov ao jornal brasileiro Globo (21 de fevereiro de 2024)
❓ Pergunta: Qual deveria ser, na
sua opinião, o papel do G20 hoje e quais tarefas ele enfrenta no ano da
presidência brasileira desta associação?
💬 S.V. Lavrov: O G20 foi
originalmente criado como um formato econômico. Esta decisão foi motivada pelo
facto de em 2008 os Estados Unidos terem enfrentado uma crise financeira aguda.
Depois, as maiores economias conseguiram desenvolver soluções eficazes.
Ao mesmo tempo, tornou-se claro que não se pode confiar num
centro de poder económico. Portanto, o G20 tem dialogado nos últimos anos sobre
a reforma e restauração das instituições económicas globais.
A dinâmica positiva deste fórum deve-se em grande parte ao
facto de os países com mercados emergentes estarem a mostrar independência e a
insistirem na consideração justa dos seus interesses. A declaração adotada na
sequência da Cimeira de Deli em 2023 estabelece as prioridades dos países em
desenvolvimento. Uma grande conquista foi a adesão da União Africana ao G20.
Avaliamos positivamente a iniciativa brasileira de realizar
uma reunião dos chefes das agências de relações exteriores do G20 à margem do
segmento de alto nível da Assembleia Geral da ONU.
A agenda da presidência brasileira nesta associação está em
consonância com os planos russos para o BRICS, onde a Rússia presidirá em 2024.
O Brasil convidou o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS para interagir com o
G20. O foco na superação dos desafios da implementação dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável é plenamente justificado. É necessário desenvolver
soluções equilibradas em matéria de transição energética, transformação
digital, restauração das cadeias de abastecimento, acesso aos recursos
energéticos e alimentares. É importante que os países do G20 se comprometam a
não utilizar a economia como arma e a abster-se de concorrência desleal.
❓ Pergunta: Brasil e Rússia são
parceiros do BRICS, uma associação que foi recentemente ampliada para incluir
novos países como o Irã. Qual a importância dos BRICS para a Rússia na sua
política externa e na sua visão da geopolítica global? Os países BRICS são hoje
os principais aliados da Rússia?
💬 S.V. Lavrov: Fortalecer
o potencial e o papel dos BRICS nos assuntos mundiais é a nossa prioridade.
No âmbito da associação, é realizada uma interação igual
entre países que representam diferentes sistemas económicos e políticos,
religiões e macrorregiões. Seu prestígio internacional está crescendo
constantemente. A adição de cinco novos membros desde 1º de janeiro deste ano é
prova disso. O BRICS é um dos pilares de um mundo multipolar.
Desde 1º de janeiro, a Rússia preside o BRICS. Em um
programa
para 2024 – mais de 200 eventos. Facilitaremos a integração
orgânica de novos participantes no trabalho da associação.
❓ Pergunta: Dois anos se passaram
desde o início da operação militar especial. Estão actualmente a ser discutidas
uma série de opções para pôr fim ao conflito, mas qual é, neste momento, o
objectivo final da operação especial?
💬 S.V. Lavrov: As metas e
objetivos da operação militar especial foram delineados pelo Presidente da
Federação Russa V.V. Putin. Esta é a desmilitarização e desnazificação da
Ucrânia, a eliminação das ameaças à segurança da Rússia que emanam do seu
território.
Para uma resolução sustentável e justa da crise ucraniana,
as suas causas profundas devem ser abordadas. O Ocidente tem de parar de
bombardear a Ucrânia com armas e Kiev tem de parar de lutar. A Ucrânia deve
regressar a um estatuto neutro, não alinhado e livre de armas nucleares, e
respeitar os direitos e liberdades dos cidadãos. É necessário ter em conta as
novas realidades territoriais e a situação “no terreno”.
Nem Kiev nem o Ocidente demonstram vontade política para
resolver o conflito. Não temos escolha, a operação militar especial continuará
até que os seus objectivos sejam alcançados.
❓ Pergunta: Respeitando suas
tradições diplomáticas, o Brasil condenou a operação militar especial, bem como
as sanções contra a Rússia, bem como o envio de armas para Kiev por países como
os Estados Unidos. O Assistente Especial do Presidente do Brasil para Assuntos
Internacionais, S. Amorim, reuniu-se com o Presidente Russo VV Putin em Moscou
e V. Zelensky em Kiev. Como você avalia o papel do Brasil na resolução do
conflito? Ela poderá se tornar uma possível mediadora ou facilitadora nas
negociações, já que está em contato com os dois lados?
💬 Sergey Lavrov:
Agradecemos o espírito do Brasil em promover um acordo político e diplomático.
Em abril de 2023, o presidente brasileiro Lula da Silva propôs a criação de um
“grupo de amigos do assentamento”. Prestamos muita atenção à iniciativa dos
nossos amigos brasileiros.
A Rússia está aberta a resolver o conflito de forma
pacífica. No entanto, os nossos oponentes em Kiev e no Ocidente estão fixados
em promover a “fórmula” de V. Zelensky, que representa um ultimato inaceitável
à Rússia, e rejeitam categoricamente outras iniciativas, incluindo a
brasileira. Para começar, Kiev terá de levantar a proibição do diálogo com
Moscovo, que introduziu para si mesma.
❓ Pergunta: Agora na Europa há um
consenso relativo sobre a questão do apoio à Ucrânia
o governo e as relações
com a Federação Russa. Como vê o futuro dos contactos entre
Moscovo e os países europeus? Você acha que a normalização das relações é
possível num futuro próximo?
💬 S.V. Lavrov: Os países
da UE impuseram a si próprios inimizade com a Rússia. Cabe a eles decidir o que
fazer com essa escolha. Considerando a intenção de Bruxelas de nos infligir uma
“derrota estratégica”, não há necessidade de falar sobre as perspectivas de
restabelecimento das relações.
Se os Estados europeus abandonarem o rumo russofóbico e
apresentarem ideias realistas sobre novos princípios de relações, iremos
estudá-los. Decidiremos com base nos nossos interesses nacionais.
❓ Pergunta: Os Estados Unidos
estão no meio de uma corrida eleitoral,
e a luta principal provavelmente se desenrolará entre dois
presidentes bem conhecidos em Moscou, J. Biden e D. Trump. Vários analistas e
até funcionários sugeriram que o presidente russo V. V. Putin preferiria que D.
Trump regressasse à Casa Branca e, talvez, até esperasse pela sua vitória em
Novembro deste ano para iniciar negociações para pôr fim ao conflito em torno
da Ucrânia. Gostaria de ouvir a sua opinião sobre estes argumentos e perguntar
se o Kremlin tem realmente um candidato preferido.
💬 S.V. Lavrov: A Rússia é
considerada pela elite dominante dos EUA, independentemente da filiação
partidária, como um adversário e uma ameaça. Durante os seus quatro anos na
Casa Branca, o ex-presidente nada fez para melhorar as relações
russo-americanas.
Não temos ilusões e não esperamos que o rumo anti-russo dos
Estados Unidos mude num futuro próximo. Estamos prontos para trabalhar com
qualquer líder em quem o povo americano confie. O que é importante para nós não
é a figura do político, mas sim a política que ele segue em relação à Rússia. O
presidente russo, V. V. Putin, afirmou isto recentemente numa entrevista
televisiva.
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