Sunday, March 26, 2023

O ESTADO, O PODER E A BANCA (Finança). Pedro Augusto Pinho

 A chispa do gênio da criança, o hábito de indagar como e por que, é substituído pela fé embrutecida que amiúde se chama senso prático ou comum” (Lyndon LaRouche, Prólogo de “How Bertrand Russell Became na Evil Man” (1944), na tradução de Gildo Magalhães e Yara Nogueira Müller para o Movimento de Solidariedade Ibero-Americano, RJ, 1999).

 

Coube a Roberto Lopez, professor da Universidade de Yale, discorrer sobre o “Nascimento da Europa”, na coleção “Rumos do Mundo”, dirigida por Lucien Fabvre e Fernand Braudel (em português pelas Edições Cosmos, Lisboa, 1965, traduzido por Oliveira Marques, da versão em francês de 1962).

A Europa, filha de Roma, como se lê, de autor anônimo do século IV, em Roberto Lopez, “contém a fúria das nações que uivam à sua volta e que a pérfida barbárie, protegida pela natureza dos lugares, cobiça de todos os lados de suas fronteiras”.

É esse o espírito que se formou naquele minúsculo continente e que se lhe atribuiu o dever civilizatório, de construir o mundo a sua maneira.

Para tanto desenvolveu dois planos de poder: o material, convertido em valor monetário, e o imaterial, pela criação de um ser supremo, dono da vida e da morte, com representantes ou intérpretes no Planeta.

Neste artigo iremos desvendar as relações que se desenvolvem no mundo político, que abarcam amplamente a cultura, e que colocam, sob moeda e vida, os povos neste século XXI.

 

A RELIGIÃO E A BANCA

 

Em 1572, o censor do Santo Ofício, Frei Bartolomeu Ferreira, aprovou os dez cantos de “Os Lusíadas”, de Luiz de Camões, que narra, entre perigos e guerras, o novo reino que os portugueses edificaram, “dilatando a Fé, o Império e as Terras”, devastando a África e a Ásia.

Seria este reino fruto da civilização romana? Mas qual Roma? Da República? Do Império? Do extremo oriental, onde os judeus, orgulhosos de seu passado, se apartavam dos outros povos para não se despersonalizarem pela cultura estrangeira, ou seja, aquela forte e dominante dos romanos? Ou dos bretões, no extremo ocidente, que pelo pouco tempo da ocupação não absorveram a língua e os costumes romanos?

Não, caros leitores. A religião foi o fator de maior unidade na Europa, dominou as terras e os senhores, foi a força que ajudou e impeliu, para o mundo, além das fronteiras, a moeda e a própria religião. O comércio e a fé viajaram juntos. Conseguiram mais do que Roma: impuseram os idiomas europeus para as comunicações dos povos em todos continentes: no maior de todos, a América, no menor, a Oceania, quase integralmente na África e como segundo idioma em alguns países asiáticos.

Porém, fora deste domínio da religião e da banca estaria a barbárie? De modo algum. Ontem, e ainda hoje, quem não segue “as leis de Deus e do dinheiro” são hereges, infiéis, inimigos, pessoas e povos a combater e eliminar.

A antiquíssima, numerosa, pacífica e progressista etnia asiática han desenvolvia, entre os muros que construiu, civilização em quase tudo diferente da europeia, a chinesa.

Os han representam quase um quinto da humanidade, estão concentrados na República Popular da China (RPCh), onde constituem 92% da população, e outros países asiáticos (Tailândia, Malásia, Singapura, Myanmar), mas são encontrados em todo mundo, inclusive no Brasil, onde são cerca de 270 mil. E possuem outra característica muito significativa; majoritariamente, quase 80%, não professam qualquer religião, tem sua orientação existencial nas palavras de pensadores, humanos como nós, Confúcio e Lao Tze, e não de deuses em diálogos especialíssimos com seus escolhidos.

Do ponto de vista da geografia física, a China é o país que faz fronteira com maior número de outros Estados Nacionais: quatorze (Vietnã, Laos, Myanmar, Índia, Butão, Nepal, Paquistão, Afeganistão, Tajiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Rússia, Mongólia e Coreia do Norte).

Do ponto de vista do desenvolvimento cultural e tecnológico, as quatro grandes invenções, que revolucionaram o Mundo, nasceram na China: a fabricação do papel, a indústria gráfica, a bússola e a pólvora.

Atualmente, a China volta ao protagonismo nas áreas científicas e tecnológicas mais contemporâneas, das ciências da computação e internet, com estações de base 4G, correspondendo à metade mundial, e com as 5G previstas para até 2025. Seu plano setorial prevê, para 2030, as redes 6G, que são 50 vezes mais rápidas do que as 5G.

Na área da física quântica, a revista Nature (2019) cita Jian Wei Pan, a quem denomina “pai do quantum”: “No campo das comunicações quânticas, estamos à frente de nossos colegas no mundo”. A China também se tornou líder global em automação. No campo da nanotecnologia é o segundo país em número de patentes concedidas. O programa espacial chinês é dos mais ativos no mundo e a despesa com tecnologias, inclusive biológicas, prevê que, em 2050, atinjam o mais alto nível internacional.

Além de ser um país onde a maioria absoluta da população não professa qualquer religião, o Estado assume o controle das ações em todos os setores e planeja detalhadamente cada área de atuação, da saúde e da educação até a conquista do espaço cósmico e as mais avançadas tecnologias, para aplicação em primeiro lugar no próprio País.

 

ESTADO NACIONAL OU MERCADO INTERNACIONAL

 

Até a década de 1980, ninguém assumiria a proposição de uma terra sem Estado. Seria vista como um sonho alucinógeno, ideação onírica.

Mas o sistema financeiro trabalhava há quase meio século em conquistar as mentes e os governos para a ausência do Estado: era ineficiente, elefante em loja de louça, caro para manter, abrigo de vagabundo, esquecendo que era o próprio Estado que lhes garantia estas agressões com seus sistemas de proteção – defesa nacional, justiça e ordem pública – e possibilidade de expressão – ensino, saúde, residência, mobilidade etc.

O que propunham no lugar dos Estados Nacionais? Um mundo unipolar, sem fronteiras, onde o capital apátrida fosse o senhor, negociando tudo, até a religião (ou já estaria adquirida, no avanço neopentecostal?).

Estava sendo construído um novo padrão civilizatório, mais perto do homem primitivo do que aquele construído ao longo dos séculos de avanço nos relacionamentos das pessoas, fazendo cair preconceitos e conquistando direitos. O único direito reconhecido era o da compra e venda, de tudo, do caráter ao celular.

Este sistema também desprezava o trabalho, não era o fator igualitário da realização humana, mas algo que não merecia qualquer proteção. O único bem protegido era o dinheiro, na forma das moedas e patrimônios reais, ou na forma de bens virtuais ou sem lastro físico.

E assim, se destruíam os Estados e um imaterial mercado passava a dar as ordens, ser o verdadeiro senhor.

E as comunicações inundavam de mensagens, fantasiosas ou simplesmente mentirosas, para explicar fatos inexplicáveis, justificar procedimentos injustificáveis, provocar um caos nas relações sociais facilmente identificáveis nas violências que tomaram conta do mundo. De 1900 a 1990 ocorreram no Brasil e no mundo 43 conflitos classificados como guerra pela Wikipédia. A partir de 1990 até 2022, a mesma fonte computou 40.

Como é óbvio, há conflitos que interessam a uma das partes manter e ele se prolonga por décadas.

Porém o que nos interessa neste artigo é ver a mudança civilizatória que a mudança do poder, dos Estados para a Banca, provocou. E, especialmente, no Brasil.

A entrada da China como potência mundial no século XXI abriu um espaço alternativo no fechado mundo unipolar da banca. Como se conhece da história, o povo han jamais foi belicoso. Os períodos de expansão territorial chinesa se deram sob governantes mongóis, sob os han, a expansão foi comercial como a primeira rota da seda.

Agora o governo chinês retoma este projeto do mundo multipolar sob a nova rota da seda, ou a Iniciativa do Cinturão e Rota (em inglês Belt and Road Initiative - BRI), compartilhado por 145 países, sendo 44 da África, 42 da Ásia, 29 da Europa, 20 da América Latina e Caribe e 10 da Oceania.

A característica desta iniciativa é dotar de conexões físicas e virtuais os países participantes de modo que haja cooperação e comércio entre eles. O resultado já é visto em portos, ferrovias, aeroportos, rodovias e linhas de comunicação estreitando as distâncias e provendo desenvolvimento.

O mundo unipolar do mercado das finanças apátridas está apavorado e passa a agressão que a história também mostra ser sua resposta: nós e eles, quem não está conosco está contra nós. E comprou pelos seus meios habituais - suborno, corrupção, chantagem - o antigo poder plutocrático estadunidense, transformando os Estados Unidos da América (EUA) no menino de recados ou gendarme da banca no Planeta.

O Brasil tem uma tradição de covardia. É nossa infeliz realidade histórica. Recebeu a mais retrógada herança europeia, a portuguesa, combatendo a Reforma Protestante e o povo judeu, num estado neoliberal avant la lettre: das capitanias hereditárias.

Quando se estabeleceu como Estado Colonial, apenas cuidou da segurança externa, da repressão interna e das finanças, deixando tudo mais com o mercado, na época a religião católica e os padres jesuítas. Este modelo, com os desmembramentos que o crescimento foi exigindo, se manteve por 381 anos, até a Revolução de novembro de 1930, quando o Brasil passa a ter um Estado Nacional próprio, brasileiro.

Este Estado ao se implantar começa a criar áreas de atrito interno, com os detentores das feitorias definidas no exterior, ou com os próprios interesses estrangeiros aqui estabelecidos. Esta luta de farsas e corrupção levam o Presidente Getúlio Vargas ao suicídio. E, assim, com a revolta popular que se seguiu, pode se manter a Era Vargas por 50 anos.

Os anos 1980, como escrevemos, é o das desregulações financeiras e da criação do mercado no lugar dos Estados. Também encerra a Era Vargas, com o Brasil crescendo a taxas maiores do que o resto do mundo. A partir de então começa a queda do Estado e da civilização que se construía no Brasil; a nova Roma, dizia Darcy Ribeiro, no sentido de nação miscigenada, mas diferente por ser pacífica e acolhedora.

Hoje não somos mais acolhedores, perdemos indústrias, perdemos poder tecnológico, perdemos até territórios para as finanças apátridas. E, em consequência, nos tornamos menos cultos e mais violentos.

Este é o quadro do poder, quando ele não representa o povo nacional, mas a banca internacional. Quando segue o mercado apátrida e não o interesse expresso na construção do Estado Nacional.

 

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi professor universitário, membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra e está Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET

 

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