CHOMSKY: NEOLIBERALISM ASSAULTED THE WORLD 40
YEARS AGO!
https://www.youtube.com/watch?v=KpxTIX0JrRA
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Até Orwell se
assombraria com o neolibelismo hoje (na foto, Chomsky em seu novo escritório,
no Departamento de Linguística da Universidade do Arizona) - Crédito: Apu
Gomes)
De Jan Martínez Ahrens, no El País:
Noam Chomsky (Filadélfia, 1928) superou faz tempo as barreiras da vaidade. Não fala de sua vida privada, não usa celular e em um tempo onde abunda o líquido e até o gasoso, ele representa o sólido. Foi detido por opor-se à Guerra do Vietnã, figurou na lista negra de Richard Nixon, apoiou a publicação dos Papéis do Pentágono e denunciou a guerra suja de Ronald Reagan. Ao longo de 60 anos, não há luta que ele não tenha travado. Defende tanto a causa curda como o combate à mudança climática. Tanto aparece em uma manifestação do Occupy Movement como apoia os imigrantes sem documentos.
Noam Chomsky (Filadélfia, 1928) superou faz tempo as barreiras da vaidade. Não fala de sua vida privada, não usa celular e em um tempo onde abunda o líquido e até o gasoso, ele representa o sólido. Foi detido por opor-se à Guerra do Vietnã, figurou na lista negra de Richard Nixon, apoiou a publicação dos Papéis do Pentágono e denunciou a guerra suja de Ronald Reagan. Ao longo de 60 anos, não há luta que ele não tenha travado. Defende tanto a causa curda como o combate à mudança climática. Tanto aparece em uma manifestação do Occupy Movement como apoia os imigrantes sem documentos.
Mergulhado na agitação permanente, o jovem que nos anos cinquenta
deslumbrou o mundo com a gramática gerativa e seus universais, longe de
descansar sobre as glórias do filósofo, optou pelo movimento contínuo. Não se
importou com que o acusassem de antiamericano ou extremista. Sempre seguiu em
frente com valentia, enfrentando os demônios do capitalismo − sejam os grandes
bancos, os conglomerados militares ou Donald Trump. À prova de fogo, sua última
obra volta a confirmar sua tenacidade. Em Réquiem para o sonho americano
(editora Bertrand Brasil), ele põe no papel as teses expostas no documentário
homônimo e denuncia a obscena concentração de riqueza e poder que exibem as
democracias ocidentais. O resultado são 192 páginas de Chomsky em estado puro.
Vibrante e claro.
Preparado para o ataque.
— O senhor se considera um radical?
— Todos consideramos a nós mesmos moderados e razoáveis.
— Defina-se ideologicamente.
— Acredito que toda autoridade tem de se justificar. Que toda hierarquia
é ilegítima enquanto não demonstrar o contrário. Às vezes pode se justificar,
mas na maioria das vezes, não. E isso... isso é anarquismo.
Uma luz seca envolve Chomsky. Depois de 60 anos dando aulas no Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), o professor veio
viver nos confins do deserto de Sonora, no Arizona. Em Tucson, a mais de 4.200
quilômetros de Boston, ele se instalou e estreou um escritório no Departamento
de Linguística da Universidade do Arizona. O centro é um dos poucos pontos
verdes dessa cidade abrasadora. Freixos, salgueiros, palmeiras e nogueiras
crescem em torno de um edifício de tijolos vermelhos de 1904 onde tudo fica
pequeno, mas tudo é acolhedor. Pelas paredes há fotos de alunos sorridentes,
mapas das populações indígenas, estudos de fonética, cartazes de atos culturais
e, no fundo do corredor, à direita, o escritório do maior linguista vivo.
O lugar não tem nada a ver com o espaço inovador do Frank
Gehry que o abrigava em Boston. Aqui, mal cabe uma mesa de trabalho e
outra para sentar-se com dois ou três alunos. Recém-estreado, o escritório de
um dos acadêmicos mais citados do século XX ainda não tem livros próprios, e
seu principal ponto de atenção recai em duas janelas que inundam a sala de
âmbar. Chomsky, de calças jeans e longos cabelos brancos, gosta dessa atmosfera
calorosa. A luz do deserto foi um dos motivos que o levaram a se mudar para Tucson.
“É seca e clara”, comenta. Sua voz é grave e ele deixa que se perca nos
meandros de cada resposta. Gosta de falar longamente. Pressa não é com ele.
Pergunta. Vivemos uma
época de desencanto?
Resposta. Já faz 40 anos
que o neoliberalismo, liderado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher,
assaltou o mundo. E isso teve um efeito. A concentração aguda de riqueza em
mãos privadas veio acompanhada de uma perda do poder da população geral. As
pessoas se sentem menos representadas e levam uma vida precária, com trabalhos
cada vez piores. O resultado é uma mistura de aborrecimento, medo e escapismo.
Já não se confia nem nos próprios fatos. Há quem chama isso de populismo, mas
na verdade é descrédito das instituições.
P. E assim surgem
as fake news (os boatos)?
R. A desilusão com as
estruturas institucionais levou a um ponto em que as pessoas já não acreditam
nos fatos. Se você não confia em ninguém, por que tem de confiar nos fatos? Se
ninguém faz nada por mim, por que tenho de acreditar em alguém?
P. Nem mesmo nos
veículos de comunicação?
R. A maioria está
servindo aos interesses de Trump.
P. Mas há alguns
muito críticos, como The New York Times, The Washington Post, CNN…
R. Olhe a
televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump,
Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes
dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da
atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo
sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores
e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo
que pode acabar com todos nós.
P. O senhor vê em
Trump um risco para a democracia?
R. Representa um
perigo grave. Liberou de forma consciente e deliberada ondas de racismo,
xenofobia e sexismo que estavam latentes, mas que ninguém tinha legitimado.
P. Ele voltará a
ganhar?
R. É possível, se
conseguir retardar o efeito letal de suas políticas. É um demagogo e showman consumado que sabe como manter ativa sua base de adoradores.
Também joga a seu favor o fato de que os democratas estão mergulhados na
confusão e podem não ser capazes de apresentar um programa convincente.
P. Continua
apoiando o senador democrata Bernie Sanders?
R. É um homem
decente. Usa o termo socialista, mas nele significa mais um New
Deal democrata. Suas propostas, de fato, não seriam estranhas
a Eisenhower[presidente dos EUA pelo Partido Republicano de 1953 a 1961].
Seu sucesso, mais que o de Trump, foi a verdadeira surpresa das eleições de
2016. Pela primeira vez em um século houve alguém que esteve a ponto de ser
candidato sem apoio das corporações nem dos veículos de comunicação, só com o
apoio popular.
P. Houve um deslizamento
para a direita do espectro político?
R. Na elite do
espectro político sim, ocorreu esse deslizamento, mas não na população em
geral. Desde os anos oitenta se vive uma ruptura entre o que as pessoas desejam
e as políticas públicas. É fácil ver isso no caso dos impostos. As pesquisas
mostram que a maioria quer impostos mais altos para os ricos. Mas isso nunca se
leva a cabo. Frente a isso se promoveu a ideia de que reduzir impostos traz
vantagens para todos e que o Estado é o inimigo. Mas quem se beneficia da
reduzir [verbas para] estradas,hospitais, água limpa e ar respirável?
P. Então o
neoliberalismo triunfou?
R. O
neoliberalismo existe, mas só para os pobres. O mercado livre é para eles, não
para nós. Essa é a história do capitalismo. As grandes corporações
empreenderam a luta de classes, são autênticos marxistas, mas com os valores
invertidos. Os princípios do livre mercado são ótimos para ser aplicados aos
pobres, mas os muito ricos são protegidos. As grandes indústrias de energia
recebem subvenções de centenas de milhões de dólares, a economia de alta
tecnologia se beneficia das pesquisas públicas de décadas anteriores, as
entidades financeiras obtêm ajuda maciça depois de afundar… Todas elas vivem
com um seguro: são consideradas muito grandes para cair e são resgatadas se têm
problemas. No fim das contas, os impostos servem para subvencionar essas
entidades e com elas, os ricos e poderosos. Mas além disso se diz à população
que o Estado é o problema e se reduz seu campo de ação. E o que ocorre? Seu
espaço é ocupado pelo poder privado, e a tirania das grandes corporações fica
cada vez maior.
P. O que o senhor
descreve soa a Orwell.
R. Até Orwell
estaria assombrado. Vivemos a ficção de que o mercado é maravilhoso porque nos
dizem que está composto por consumidores informados que adotam decisões
racionais. Mas basta ligar a televisão e ver os anúncios: procuram informar o
consumidor para que tome decisões racionais? Ou procuram enganar? Pensemos, por
exemplo, nos anúncios de carros. Oferecem dados sobre suas características?
Apresentam informes realizados por entidades independentes? Porque isso sim que
geraria consumidores informados capazes de tomar decisões racionais. Em vez
disso, o que vemos é um carro voando, pilotado por um ator famoso. Tentam prejudicar
o mercado. As empresas não querem mercados livres, querem mercados cativos. De
outra forma, colapsariam.
P. Diante dessa
situação, não é muito fraca a contestação social?
R. Há muitos
movimentos populares muito ativos, mas não se presta atenção neles porque as
elites não querem que se aceite o fato de que a democracia pode funcionar. Isso
é perigoso para elas. Pode ameaçar seu poder. O melhor é impor uma visão que
diz a você que o Estado é seu inimigo e que você tem de fazer o que puder
sozinho.
P. Trump usa
frequentemente o termo antiamericano. Como o senhor entende esse termo?
R. Os Estados
Unidos são o único país onde, por criticar o Governo, te chamam de
antiamericano. E isso representa um controle ideológico, acendendo fogueiras
patrióticas por toda parte.
P. Em alguns
lugares da Europa também ocorre isso.
R. Mas nada
comparável ao que ocorre aqui, não há outro país onde se vejam tantas
bandeiras.
P. O senhor teme o
nacionalismo?
R. Depende. Se significa estar interessado em sua cultura local, é bom.
Mas se for uma arma contra outros, sabemos aonde pode conduzir, já vimos e
experimentamos isso.
P. Acha possível
que se repita o que ocorreu nos anos trinta?
R. A situação se
deteriorou. Depois da eleição de Barack Obama se desencadeou uma
reação racista de enorme virulência, com campanhas que negavam sua cidadania e
identificavam o presidente negro com o anticristo. Houve muitas manifestações
de ódio. No entanto, os EUA não são a República de Weimar[democracia alemã
anterior ao nazismo]. Precisamos estar preocupados, mas as probabilidades de
que se repita algo assim não são altas.
P. Seu livro
começa lembrando a Grande Depressão, uma época em que “tudo estava pior
que agora, mas havia um sentimento de que tudo iria melhorar”.
R. Eu me lembro
perfeitamente. Minha família era de classe trabalhadora, estava desempregada e
não tinha educação. Objetivamente, era uma época muito pior que agora, mas
havia um sentimento de que todos estávamos juntos naquilo. Havia um
presidente compreensivo com o sofrimento, os sindicatos estavam
organizados, havia movimentos populares… Tinha-se a ideia de que juntos
podíamos vencer a crise. E isso se perdeu. Agora vivemos a sensação de que
estamos sozinhos, de que não há nada a fazer, de que o Estado está contra nós…
P. Ainda tem
esperanças?
R. Claro que há
esperança. Ainda há movimentos populares, gente disposta a lutar… As
oportunidades estão aí, a questão é se somos capazes de aproveitá-las.
Chomsky termina com um sorriso. Deixa vibrando no ar sua voz grave e se
despede com extrema cortesia. Em seguida, sai do escritório e desce as escadas
da faculdade. Fora, esperam-lhe Tucson e a luz seca do deserto de Sonora.
"It´s Time to make Our Government Work For All of U.S. and not Just the 1%"
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